Sou Contratado(a) como PJ: Posso Receber Justa Causa
- FBC Advocacia
- 7 de out. de 2024
- 10 min de leitura
No cenário atual do mercado de trabalho, a contratação de pessoas jurídicas (PJ) por empresas tem se tornado cada vez mais comum. Esse modelo de contratação oferece vantagens tanto para as empresas quanto para os profissionais, permitindo uma maior flexibilidade e, em muitos casos, menos encargos trabalhistas. No entanto, essa prática também levanta diversas dúvidas e questionamentos, especialmente quando se trata de direitos e obrigações que, tradicionalmente, seriam aplicáveis a trabalhadores contratados sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Uma das principais perguntas que surgem nessa relação de trabalho é: "Sendo PJ, posso receber justa causa?" Esse questionamento parte da dúvida sobre como as regras tradicionais do direito do trabalho se aplicam a contratos firmados entre uma pessoa jurídica e uma empresa. Este artigo pretende esclarecer a questão e abordar, de forma detalhada, como a relação PJ-empresa difere da relação CLT-empresa, e o que pode ocorrer em caso de condutas consideradas inadequadas por parte do profissional contratado como PJ.
O Que Significa Ser Contratada Como PJ?
A contratação de um profissional como PJ, também conhecida como "pejotização", ocorre quando o trabalhador, ao invés de ser empregado diretamente pela empresa sob um contrato CLT, presta serviços como pessoa jurídica, geralmente abrindo uma empresa de pequeno porte ou se registrando como MEI (Microempreendedor Individual).
Neste tipo de relação, o profissional não tem vínculo empregatício com a empresa que contrata seus serviços. Ao invés de salário, ele recebe por meio de notas fiscais emitidas para a empresa contratante. Além disso, esse profissional não tem acesso a direitos garantidos pela CLT, como férias, 13º salário, FGTS, horas extras, e seguro-desemprego.
Diferenças Entre PJ e CLT
A primeira grande diferença entre ser contratado como CLT e como PJ está justamente no regime de trabalho. O funcionário registrado pela CLT tem uma série de direitos trabalhistas garantidos por lei, incluindo:
Férias remuneradas de 30 dias;
13º salário;
Depósito de FGTS mensal feito pelo empregador;
Seguro-desemprego em caso de demissão sem justa causa;
Aviso prévio em casos de demissão.
No regime de pessoa jurídica, essas garantias não existem, uma vez que a relação entre a PJ e a empresa é de natureza comercial, e não trabalhista. Assim, a empresa contratante não tem obrigações típicas do empregador, como o recolhimento de FGTS, pagamento de férias ou 13º. A relação é regida por um contrato de prestação de serviços, e as questões de rescisão contratual, prazo de término, valores e penalidades devem estar especificadas no contrato firmado entre as partes.
O Conceito de Justa Causa no Contexto CLT
Antes de explorar se uma PJ pode ou não "sofrer" uma justa causa, é importante compreender o conceito de justa causa na CLT.
A justa causa, segundo o artigo 482 da CLT, ocorre quando o empregado comete uma falta grave que justifica a rescisão imediata do contrato de trabalho, sem direito a verbas rescisórias como aviso prévio, 13º salário proporcional ou férias proporcionais. Dentre as situações que podem justificar a justa causa estão:
Ato de improbidade;
Incontinência de conduta ou mau procedimento;
Negociação habitual sem autorização;
Condenação criminal;
Desídia no desempenho das funções;
Embriaguez habitual ou em serviço;
Violação de segredo da empresa;
Indisciplina ou insubordinação;
Abandono de emprego;
Ofensas físicas ou morais no ambiente de trabalho.
A justa causa implica, portanto, uma falta grave por parte do empregado, que quebra a confiança essencial à continuidade da relação de trabalho. No entanto, ao contrário da relação CLT, uma pessoa jurídica não é considerada "empregado", mas sim uma empresa prestadora de serviços. E isso muda completamente o panorama em relação à justa causa.
PJ e Justa Causa: Aplicação ou Não?
Por não ser uma relação de emprego, a rescisão de contrato de um prestador de serviços contratado como PJ não é regulada pelas normas da CLT, incluindo as disposições sobre justa causa. Ou seja, tecnicamente, uma pessoa jurídica não pode receber justa causa da mesma forma que um trabalhador contratado sob o regime CLT.
Em vez de justa causa, a relação entre PJ e empresa é regida por um contrato de prestação de serviços, e a rescisão desse contrato se dá com base nas cláusulas contratuais, que podem prever penalidades, prazos para término do contrato, e outras condições específicas. Portanto, se o prestador de serviços, contratado como PJ, cometer alguma infração que a empresa considere grave, como descumprir prazos, falhar no cumprimento das obrigações contratuais, ou praticar atos que violem a confiança da relação, a empresa poderá rescindir o contrato.
Dessa forma, a rescisão contratual de uma PJ por motivos de conduta inadequada ou má execução do trabalho pode ocorrer, mas não sob o conceito de justa causa previsto na CLT. Nessa relação, prevalece o que foi acordado no contrato, inclusive as penalidades por quebra de contrato, e o que é previsto pelo Código Civil.
O Que Pode Ocorrer em Caso de Conduta Inadequada de um PJ?
Embora a justa causa não se aplique à contratação de PJs, isso não significa que um prestador de serviços esteja isento de consequências legais por má conduta. Se o prestador cometer uma infração grave, como descumprimento contratual, má-fé, ou atos que possam comprometer a relação comercial, a empresa tem o direito de rescindir o contrato de prestação de serviços.
As consequências para o prestador podem variar, de acordo com o que foi estipulado no contrato. Aqui estão algumas possibilidades:
Rescisão imediata do contrato
Em muitos contratos de prestação de serviços, há cláusulas que preveem a rescisão unilateral em caso de infração grave por parte de uma das partes. Isso significa que, se o prestador violar os termos contratuais, a empresa pode encerrar o contrato imediatamente, sem aviso prévio.
Multa por descumprimento contratual
Outra medida comum em contratos de PJ é a multa por descumprimento contratual. Se o contrato estipular uma multa para casos de descumprimento, como falhas no prazo de entrega, má qualidade do serviço ou abandono do projeto, a empresa contratante poderá exigir o pagamento dessa multa.
Ações judiciais
Em casos mais graves, se o prestador causar prejuízos financeiros à empresa contratante, seja por negligência, má-fé ou outra forma de descumprimento contratual, a empresa pode buscar indenização por meio de ações judiciais. Isso se aplica, por exemplo, se a empresa sofrer perdas significativas por conta de atrasos ou falhas no serviço prestado.
Inadimplência no pagamento
Se o prestador de serviços não cumprir com suas obrigações contratuais, a empresa pode se recusar a efetuar o pagamento pelos serviços prestados até que a questão seja resolvida. Nesses casos, o contrato deve prever as condições de pagamento e eventuais cláusulas de retenção de valores.
Manutenção de relações comerciais
Embora não seja uma penalidade formal, o prestador de serviços pode enfrentar dificuldades futuras em continuar fazendo negócios com a mesma empresa ou outras do setor. A reputação no mercado é um dos ativos mais valiosos de qualquer prestador de serviços, e falhas contratuais podem prejudicar essa reputação, dificultando futuras contratações.
O PJ e o Vínculo Empregatício Disfarçado
Uma questão delicada que surge na contratação de PJ é o que se denomina "pejotização fraudulenta". Isso acontece quando a contratação como PJ é utilizada para disfarçar uma relação de emprego que, na prática, possui todas as características de um vínculo trabalhista previsto pela CLT. Esse tipo de fraude é comum em setores onde as empresas buscam reduzir encargos trabalhistas, forçando o profissional a abrir uma pessoa jurídica para continuar trabalhando na empresa, muitas vezes em condições idênticas às de um empregado CLT.
A justiça do trabalho tem combatido essa prática, e, em muitos casos, o trabalhador consegue comprovar que, embora formalmente contratado como PJ, exercia suas atividades sob condições típicas de um contrato de trabalho, como subordinação, habitualidade, pessoalidade e onerosidade. Quando isso ocorre, o profissional pode buscar a reconhecimento do vínculo empregatício, o que implica que os direitos trabalhistas aplicáveis a empregados CLT devem ser respeitados, incluindo o direito à justa causa em casos de falta grave.
Como Identificar a Pejotização Fraudulenta?
Para que a relação de prestação de serviços seja legítima e não configure fraude, é necessário que a contratação como PJ respeite os princípios que distinguem uma relação comercial de uma relação trabalhista. Para evitar a pejotização fraudulenta, é fundamental que o prestador de serviços atue de forma autônoma, sem as características que definem um vínculo empregatício típico da CLT. Aqui estão alguns pontos chave para identificar se a contratação como PJ está sendo usada de forma correta ou se configura uma fraude:
Autonomia: Um prestador de serviços PJ deve ter liberdade para organizar seu trabalho, definir seus horários e não estar subordinado a ordens diretas de um superior, como ocorre em uma relação de emprego CLT. Se o prestador tiver um chefe que controla sua jornada de trabalho, determina tarefas diárias e fiscaliza sua execução, isso pode ser um indício de vínculo empregatício.
Pessoalidade: Na contratação de PJ, a prestação de serviços não deve ser feita exclusivamente por uma única pessoa, a menos que o contrato estipule essa condição de forma explícita e com justificativa clara. O PJ deve ter a liberdade de alocar outros profissionais para realizar o serviço contratado. Se a empresa exige que o trabalho seja feito apenas pela pessoa que abriu a PJ, isso pode ser um sinal de pejotização fraudulenta.
Onerosidade: O PJ não recebe salário, mas sim pagamentos conforme a execução dos serviços contratados, geralmente por meio da emissão de notas fiscais. Se o valor pago ao PJ é fixo, regular, e segue o padrão de uma remuneração mensal, isso pode caracterizar uma relação de emprego disfarçada.
Habitualidade: A prestação de serviços PJ deve ser pontual ou por projeto. Se o profissional trabalha diariamente para a mesma empresa, cumprindo uma jornada fixa, a relação pode estar se aproximando de uma situação de subordinação, típica de um contrato CLT. A habitualidade é um dos principais indícios de fraude, especialmente se o PJ realiza as mesmas atividades que outros empregados contratados sob o regime CLT.
Subordinação: Esse é um dos elementos mais importantes. Se o PJ é controlado de forma semelhante a um empregado, recebendo ordens e tendo suas atividades supervisionadas diretamente pela empresa contratante, a relação está sendo descaracterizada como autônoma e pode configurar uma relação de emprego. O PJ legítimo deve ter independência na forma de conduzir suas atividades, negociando prazos e formas de execução sem estar vinculado diretamente a um superior hierárquico.
Se essas condições estão presentes, o profissional pode buscar judicialmente o reconhecimento do vínculo empregatício, alegando que a contratação como PJ foi, na verdade, uma forma de disfarçar a verdadeira relação de emprego. Nesse caso, o profissional pode ter direito às verbas rescisórias da CLT, inclusive às devidas em caso de justa causa, se for essa a situação.
E Se Houver Vínculo Empregatício Disfarçado?
Quando há comprovação de que a contratação como PJ foi feita de maneira fraudulenta para disfarçar uma relação de emprego, o trabalhador pode recorrer à Justiça do Trabalho para buscar o reconhecimento de seus direitos como empregado CLT. Nesse cenário, as consequências podem ser significativas tanto para o trabalhador quanto para a empresa.
Reconhecimento do vínculo empregatício: Se o vínculo de emprego é comprovado, o trabalhador passa a ter direito a todas as verbas rescisórias típicas da CLT, incluindo férias proporcionais, 13º salário, FGTS com multa de 40%, aviso prévio, entre outros. Isso pode ser aplicado mesmo se o profissional for "desligado" sob a justificativa de uma falha grave que levaria à justa causa.
Justa Causa em Vínculos Ocultos: Se o vínculo empregatício for reconhecido judicialmente, e houver provas de que o trabalhador cometeu infrações graves, como atos de improbidade, insubordinação ou outros motivos que justificam a justa causa, essa penalidade pode ser aplicada retroativamente, com a perda das verbas rescisórias normalmente devidas em uma demissão sem justa causa. No entanto, a empresa precisará comprovar essas faltas com documentação e testemunhos, como faria em qualquer outro caso de justa causa.
Penalidades para a Empresa: A empresa pode enfrentar penalidades por ter mascarado a relação de emprego como PJ. Ela poderá ser condenada a pagar todas as verbas trabalhistas não recolhidas ao longo do tempo, como o FGTS, INSS, férias, 13º salário, e outros benefícios. Além disso, pode ser obrigada a pagar multas por infringir a legislação trabalhista, o que pode resultar em um grande prejuízo financeiro.
Compensação Financeira ao Trabalhador: Além de garantir os direitos trabalhistas retroativos, o trabalhador pode, em alguns casos, buscar indenização por danos morais. Isso ocorre se ele provar que a pejotização fraudulenta causou danos psicológicos, sociais ou financeiros devido à instabilidade ou à falta de proteção trabalhista.
Prevenção: Como Evitar a Pejotização Fraudulenta
Para evitar problemas jurídicos e garantir uma relação de trabalho legítima, tanto a empresa quanto o profissional devem estar atentos às regras e práticas que diferenciam a prestação de serviços PJ da relação de emprego CLT. Aqui estão algumas dicas para evitar a pejotização fraudulenta:
Defina um contrato claro de prestação de serviços: É fundamental que o contrato entre a empresa e o prestador de serviços PJ seja claro e específico, estabelecendo os prazos, responsabilidades, formas de pagamento, e detalhes sobre a natureza do serviço. O contrato deve deixar claro que se trata de uma relação comercial, sem vínculo empregatício.
Respeite a autonomia do prestador de serviços: O PJ deve ter a liberdade para executar o trabalho sem subordinação direta, organizando sua própria rotina e processos de trabalho. A empresa contratante deve evitar impor regras rígidas de jornada ou supervisionar as atividades como faria com um empregado.
Cuidado com a habitualidade e pessoalidade: A empresa deve garantir que a prestação de serviços PJ seja pontual ou por projeto, evitando a alocação do prestador como se fosse um funcionário regular. Se a empresa precisar de alguém para realizar um trabalho contínuo e com horário fixo, o regime CLT pode ser mais adequado.
Criação de políticas internas claras: Tanto a empresa quanto o prestador de serviços podem se proteger ao estabelecer políticas internas claras que definem a diferença entre empregados e prestadores de serviços. A contratação de PJs deve ser justificada pela necessidade de projetos específicos ou serviços especializados, e não como uma substituição de funcionários CLT.
Conclusão
Em resumo, um trabalhador contratado como PJ não pode receber justa causa nos moldes tradicionais da CLT, pois essa penalidade se aplica apenas em relações de emprego formais. No entanto, o contrato de prestação de serviços pode ser rescindido por descumprimento de suas cláusulas, com aplicação de multas e outras penalidades conforme acordado entre as partes.
Para aqueles que são contratados como PJ, é essencial compreender a natureza da relação e garantir que o contrato reflita a realidade da prestação de serviços. Para as empresas, evitar a pejotização fraudulenta é fundamental para garantir a conformidade com a legislação e evitar complicações legais.
Em última instância, se houver dúvidas sobre o vínculo estabelecido, tanto a empresa quanto o trabalhador podem buscar orientação jurídica para garantir que os direitos e obrigações de ambos sejam respeitados, evitando conflitos futuros.
Quem escreveu esse artigo?
Dra. Karoline Cunha:
Advogada Especialista em Relações do Trabalho, Negócios e Conformidade
Mestre em Fundamentos e Efetividade do Direito (UniFG)
Consultora em Demissões por Justa Causa
Expert em atuação no Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT da 5ª Região)
Professora e Pesquisadora do Mundo do Trabalho
@profkarolinecunha
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