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Assédio Eleitoral no Trabalho: Pode Gerar Justa Causa?

  • Foto do escritor: FBC Advocacia
    FBC Advocacia
  • 30 de set. de 2024
  • 6 min de leitura


Com a chegada de períodos eleitorais, os debates políticos ganham força em diversos ambientes, incluindo o local de trabalho. No entanto, quando essas discussões extrapolam os limites da opinião pessoal e se transformam em pressão, coação ou até ameaças por parte de superiores, entra-se no perigoso terreno do assédio eleitoral. Essa prática, além de antiética, pode configurar violação de direitos trabalhistas e até justificar a demissão por justa causa.

Para empresários e profissionais de RH, lidar com assédio eleitoral é um desafio delicado. A liberdade de expressão deve ser respeitada, mas o uso dessa liberdade para influenciar, constranger ou coagir subordinados a votar em determinado candidato pode trazer sérias consequências jurídicas e comprometer o clima organizacional. Neste artigo, abordaremos o que configura assédio eleitoral no trabalho, as bases legais para uma eventual demissão por justa causa e como as empresas podem se proteger e garantir um ambiente de trabalho saudável e neutro.


Assédio Eleitoral: O que é e Como se Manifesta no Ambiente de Trabalho

O assédio eleitoral ocorre quando alguém, geralmente uma pessoa em posição de poder, utiliza sua influência no ambiente de trabalho para pressionar ou coagir outros funcionários a se manifestarem politicamente de uma forma específica, seja votando em um candidato, rejeitando outro ou revelando sua preferência eleitoral. Essa prática pode ser sutil, mas também pode assumir formas mais agressivas, como envio frequente de mensagens políticas, insinuações ou até ameaças de demissão caso o subordinado não siga a orientação sugerida.

O ambiente de trabalho, por ser um local onde a hierarquia exerce um papel fundamental, torna esse tipo de assédio especialmente problemático. A desigualdade de poder entre chefe e funcionário pode dificultar que o empregado recuse ou se defenda contra essas pressões, temendo represálias que afetem sua carreira, seu salário ou até mesmo seu emprego.

Algumas formas comuns de assédio eleitoral no trabalho incluem:

  • Pressões diretas ou indiretas sobre o voto: O empregador ou superior hierárquico questiona repetidamente em quem o funcionário votará ou já votou, buscando influenciar ou constranger o empregado a mudar sua escolha.

  • Envio de conteúdo político em grupos de trabalho: Mensagens em redes sociais corporativas ou grupos de mensagens (como WhatsApp) com conteúdo político de um candidato específico, especialmente quando o tom da mensagem sugere que os funcionários devem apoiar essa posição.

  • Insinuações de consequências: O superior hierárquico insinua que votar em um determinado candidato pode ser prejudicial para o futuro da empresa ou para o emprego do colaborador, pressionando-o a apoiar outro candidato.

  • Discursos políticos constantes no ambiente de trabalho: Embora conversas informais sobre política possam ocorrer naturalmente, quando um superior faz desses discursos um hábito constante, onde suas opiniões são apresentadas como únicas ou corretas, isso pode criar um ambiente de coação.


O Que Diz a Legislação Brasileira sobre Assédio Eleitoral

O Código Eleitoral Brasileiro, na Lei nº 4.737/1965, tipifica como crime qualquer forma de coação no processo eleitoral. Segundo o artigo 300 do Código Eleitoral, quem “usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou a não votar, em determinado candidato ou partido” pode sofrer sanções. Essa legislação busca proteger a liberdade do voto, garantindo que os cidadãos possam exercer seu direito de escolha sem sofrer qualquer forma de pressão ou intimidação.

Além do Código Eleitoral, o Código Penal brasileiro pode ser aplicado em casos de assédio moral no trabalho, que incluem o assédio eleitoral. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) também protege os trabalhadores contra condutas que prejudiquem a liberdade e a dignidade no ambiente de trabalho, o que inclui o direito de exercer sua cidadania, sem interferências ilegítimas de superiores.

No âmbito trabalhista, a pressão para que um funcionário vote em determinado candidato, revele suas preferências ou apoie uma determinada posição política pode ser vista como mau procedimento, um dos motivos elencados no artigo 482 da CLT que podem justificar a demissão por justa causa. Mau procedimento é definido como um comportamento inadequado ou antiético que prejudica a confiança mútua necessária para a relação de trabalho. Quando esse comportamento se manifesta através de assédio eleitoral, especialmente por parte de superiores hierárquicos, há uma violação dos princípios éticos e legais que regem o ambiente de trabalho.


Pode a Empresa Aplicar Justa Causa em Casos de Assédio Eleitoral?

A demissão por justa causa é uma medida extrema, utilizada quando o comportamento do empregado compromete de forma irreparável a confiança e o bom andamento das relações de trabalho. O assédio eleitoral, dependendo de sua gravidade, pode justificar essa medida, especialmente quando praticado por chefes ou superiores hierárquicos. Isso ocorre porque a pressão política imposta por quem ocupa um cargo de liderança interfere não apenas na vida pessoal dos subordinados, mas também na própria integridade do ambiente corporativo.

No entanto, para que a justa causa seja aplicada de forma correta, a empresa deve garantir que:

  1. A investigação interna seja completa: É fundamental que a empresa conduza uma apuração minuciosa dos fatos, ouvindo todas as partes envolvidas e reunindo provas, como mensagens enviadas, conversas e depoimentos de testemunhas. Um processo bem documentado será essencial para validar a decisão, especialmente em eventuais disputas judiciais.

  2. As políticas internas da empresa sejam claras: Empresas que possuem códigos de conduta claros e políticas de neutralidade política estão mais protegidas para lidar com esse tipo de comportamento. Se essas regras já estão previstas no manual de conduta da empresa, qualquer violação é mais facilmente enquadrada como mau procedimento.

  3. Haja um impacto real no ambiente de trabalho: Um dos pontos-chave para a aplicação da justa causa é o impacto do comportamento do assediador no ambiente de trabalho. Se o assédio eleitoral gerou divisões, prejudicou a harmonia da equipe ou constrangeu os colaboradores, a empresa terá mais respaldo para aplicar a medida extrema.

  4. A empresa tenha adotado medidas progressivas: Em muitos casos, antes de aplicar a justa causa, a empresa deve buscar resolver o problema através de advertências verbais ou escritas. Isso pode não ser necessário quando a gravidade do assédio é evidente, mas as advertências são uma forma de demonstrar que o funcionário teve oportunidade de corrigir o comportamento.


Assédio Eleitoral e o Papel da Empresa na Prevenção

Embora a aplicação de justa causa seja possível, a verdadeira solução para o assédio eleitoral é a prevenção. As empresas devem estar atentas aos sinais de que discussões políticas no ambiente de trabalho estão ultrapassando os limites da opinião e começando a pressionar ou constranger os colaboradores. Isso exige uma postura proativa da liderança e do departamento de RH.

Aqui estão algumas medidas preventivas que podem ser adotadas:

  1. Código de Conduta Claro: Um código de conduta que proíba claramente o uso de influência política no ambiente de trabalho é fundamental. Esse documento deve ser revisado periodicamente e apresentado a todos os funcionários, garantindo que todos saibam o que é aceitável e o que não é.

  2. Treinamento de Liderança: Os líderes desempenham um papel crucial na manutenção de um ambiente de trabalho neutro. Treinamentos que orientem os gestores sobre como abordar debates políticos sem pressionar os subordinados podem ajudar a evitar situações de assédio eleitoral.

  3. Canal de Denúncias: A criação de um canal de denúncias anônimas, onde os funcionários possam reportar casos de assédio eleitoral, pode ajudar a empresa a identificar problemas antes que eles se tornem graves. Esse canal deve ser de fácil acesso e garantir confidencialidade para o denunciante.

  4. Política de Não Repressão: A empresa deve promover uma cultura onde os funcionários se sintam seguros para exercer sua cidadania sem temer represálias. Isso inclui deixar claro que nenhum empregado será punido ou beneficiado com base em sua posição política.


Conclusão

O assédio eleitoral no ambiente de trabalho é uma prática ilegal que pode gerar sérias consequências para todos os envolvidos, inclusive a demissão por justa causa para aqueles que exercem essa pressão. A aplicação da justa causa em casos de assédio eleitoral deve ser embasada em uma investigação completa, políticas internas claras e uma avaliação cuidadosa do impacto no ambiente de trabalho. Empresas que promovem um ambiente neutro, onde a liberdade de expressão é respeitada, mas sem pressionar os funcionários, estarão mais bem preparadas para lidar com esse tipo de desafio e garantir um ambiente de trabalho harmonioso e produtivo.


Quem escreveu esse artigo?

Dra. Karoline Cunha:

Advogada Especialista em Relações do Trabalho, Negócios e Conformidade

Mestre em Fundamentos e Efetividade do Direito (UniFG)

Consultora em Demissões por Justa Causa

Expert em atuação no Tribunal Regional do Trabalho da Bahia (TRT da 5ª Região)

Professora e Pesquisadora do Mundo do Trabalho

@‌profkarolinecunha

 
 
 

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